terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Lembranças da Infância - Parte 1

  • Terremoto e Borboleta Preta


Quando eu tinha 5 anos, em 1989 houve um grande terremoto em San Francisco, onde eu morava com meus pais. A minha primeira memória, foi o grande susto que levei, enquanto dormia, ao sentir a terra sob meus pés tremer parecendo que tudo fosse acabar. Eu lembro do papai entrando no meu quarto, me pegando no braço e me levando para o abrigo no porão, onde a mamãe estava esperando a gente. Eu fiquei em silêncio, atônita, sentindo tudo a minha volta ser destruído pelo tremor.

Ana? Aninha?” - Falavam o papai e a mamãe comigo, eu não conseguia falar nada, não conseguia responder. A morte levou 12 pessoas naquele terremoto e destruiu muitas casas e construções antigas, que ainda não tinham a engenharia necessária para resistir ao incrível terremoto que alcançou 7,1 na escala Richter.

Eu fiquei uma semana sem falar nada. Meu pai e minha mãe ficaram muito preocupados, mas, preferiram não me levar a nenhum médico ou me forçar a nada. A nossa rotina foi aos poucos voltando ao normal, o papai trabalhava na universidade da Califórnia, no campus de San Francisco. Esse campus é apenas voltado às Ciências, então, como o prédio tinha uma engenharia anti-terremotos, o papai me levou muitas vezes para lá. Eu assistia umas aulas – ou dormia nelas – e nós brincávamos muito no laboratório de pesquisas, os amigos do papai também eram legais. A mamãe era assistente social e durante essa época do pós-terremoto, a prefeitura deu muito trabalho para ela, dois orfanatos haviam sido muito afetados pelo terremoto e ela precisava resolver as broncas por lá. As escolas estavam interditadas para reforma: eram férias inesperadas.

Então, eu tinha

fugido da sala de aula do papai – o prédio da universidade não tinha sofrido quase nada com o terremoto – e eu estava brincando na estufa do campus, tinham umas plantas muito legais lá. Do nada, apareceu uma borboleta preta, eu nunca tinha visto uma daquela cor, tão preta e tão profunda. Ela veio e pousou na minha cabeça. Eu estendi a mão e ela voou até ela.

Como você é linda, qual sua planta favorita?” – eu disse para ela.

Como se ela entendesse, ela dirigiu-se a uma nova variação de kiwis, que a universidade estava desenvolvendo.

Ah, Kiwi.” – nessa hora, eu percebi que havia voltado a falar. Saí correndo para falar para o papai, mas, eu parei no meio do caminho e me virei para a ver se a borboleta ainda estava lá e não estava. “Ah, já voou! Droga!” – eu disse e fiquei surpresa denovo por ouvir a minha voz. Eu senti uma grande alegria e corri para onde o papai estava.

Quando ele me viu, ele disse: “Eu já te avisei que o pessoal de biológicas gosta de manter a estufa fechada. Você sabia que na sua roupa podem haver bactérias nocivas às plantas deles? Sei que não parece, mas, ali também é um laboratório e...”

Eu vi uma borboleta preta.” - eu disse.

Ele parou de falar, com cara de surpreso.

E?” – ele perguntou, com tanta curiosidade quanto um bebê que descobre as próprias mãos e as leva a boca.

Ela disse que gostava de kiwis.” - eu respondi.

Você percebeu que voltou a falar?” – disse o papai.

Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim, quero tomar sorvete!” – eu respondi, com o sorriso de um milhão de dólares.

A borboleta te disse mais alguma coisa, além disso?” – ele perguntou.

Não, ela já foi embora. Paaaaiii, eu tô com fome! A gente pode comer em Chinatonw hoje? A gente busca a mamãe, e a gente come lá e depois toma sorvete com pudim e calda de chocolate com granulado colorido e com bicoitinhos. Vamos, papai, vamos!”

O papai sorriu e disse: “Nunca vi borboleta preta que gosta de kiwi. Mas, eu conheço uma menina que come feito um buraco negro e essa menina só tem cinco anos. Então, acho que dá pra acreditar na sua história...” – o papai me pegou no braço e fomos para o carro.

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